quinta-feira, 5 de junho de 2008

Pensamentos

Bernardo Soares

"O coração, se pudesse pensar, pararia."
"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."

1 comentário:

Anónimo disse...

"Quantos somos! Quantos nos enganamos! Que mares soam em nós, na noite de sermos, pelas
praias que nos sentimos nos alagamentos da emoção! Aquilo que se perdeu, aquilo que se
deveria ter querido, aquilo que se obteve e satisfez por erro, o que amamamos e perdemos e,
depois de perder, vimos, amando por tê-lo perdido, que o não havíamos amado; o que
julgávamos que pensávamos quando sentíamos; o que era uma memória e críamos que era
uma emoção; e o mar todo, vindo lá, rumoroso e fresco, do grande fundo de toda a noite, a
estuar fino na praia, no decurso nocturno do meu passeio à beira-mar ...
Quem sabe sequer o que pensa ou o que deseja? Quem sabe o que é para si-mesmo?"
(Livro do desassossego-Bernardo soares)

todos precisavamos de um passeio à beira-mar no final de cada dia...ao deitar tudo seria mais facil.