sexta-feira, 18 de abril de 2008

Pensamento


Hannah Arendt, in 'A Condição Humana'



Se não fôssemos perdoados, eximidos das consequências daquilo que fizemos, a nossa capacidade de agir ficaria por assim dizer limitada a um único acto do qual jamais nos recuperaríamos; seríamos para sempre as vítimas das suas consequências, à semelhança do aprendiz de feiticeiro que não dispunha da fórmula mágica para desfazer o feitiço. Se não nos obrigássemos a cumprir as nossas promessas não seríamos capazes de conservar a nossa identidade; estaríamos condenados a errar desamparados e desnorteados nas trevas do coração de cada homem, enredados nas suas contradições e equívocos - trevas que só a luz derramada na esfera pública pela presença de outros que confirmam a identidade entre o que promete e o que cumpre poderia dissipar. Ambas as faculdades, portanto, dependem da pluralidade; na solidão e no isolamento, o perdão e a promessa não chegam a ter realidade: são no máximo um papel que a pessoa encena para si mesma.

Citação

“Reconheço que não consegui vencer estas contrariedades [críticas internas no partido] e assumo a inteira responsabilidade. Para mim chega, basta. Está na altura de os críticos demonstrarem que são carismáticos e mobilizadores.”
Luís Filipe Menezes, PÚBLICO, 18 de Abril de 2008

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Pensamento


Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'


"Todo o ambiente é favorável ao forte; de um modo ou de outro ele o ajuda a cumprir a missão que se impôs e a conseguir ir porventura mais além das barreiras marcadas. A derrota deve mais atribuir-se à invalidez do impulso interior do que aos obstáculos que lhe ponham diante, mais à alma incapaz de se bater com vigor e tenazmente do que às resistências, às invejas e às dificuldades que o mundo possa levantar perante Hércules que luta. O mal que se vê é aguilhão para o bem que se deseja; e quanto mais duro, quanto mais agressivo, se bate em peito de aço, tanto mais valioso auxiliar num caminho de progresso; o querer se apura, a visão do futuro nos surge mais intensa a cada golpe novo; o contentamente e a mansa quietude são estufa para homens; por aí se habituaram a ser escravos de outros homens, ou da cega Natureza; e eu quero a terra povoada de rijos corações que seguem os calmos pensamentos e a mais nada se curvam.
Mais custa quebrar rochar do que escavar a terra; mais sólido, porém, o edifício que nela se firmou. A grandeza da obra é quase sempre devida à dificuldade que se encontra nos meios a empregar, à indiferença que cerra os ouvidos do povo, e aos mil braços que logo se levantam para deter o arquitecto. Se cai em batalha, pobre dele, podemos lamentá-lo; não o chamara o Senhor para as grandes empresas; mas se pelo menos a voz se lhe erguer clara, firme, heróica no meio do turbilhão, não foram inúteis as dores e os esforços: algum dia um novo mundo se erguerá das brumas e o terá como profeta. Quem ia a perturbar ficará perturbado, quem ia a matar ficará morto. Não é com os mesquinhos artifícios, nem com o desprezo, nem com a mentira, nem pelo cansaço, nem pela opressão, nem pela miséria que se vencem os que pensaram num futuro e, amorosamente, com cuidados de artista, continuamente, com firmeza de atleta, o vão erguendo pedra a pedra. É necessário que se resista enquanto houver um fôlego de vida, mas que essa resistência seja sobretudo o contacto com a realidade da força criadora; é esta que afinal tudo leva de vencida e reduz oposições a pó inútil e ligeiro. "

Citação

"O álcool não consola, não preenche os vazios psicológicos, mas supre a ausência de Deus. Não compensa o homem. Pelo contrário, anima a sua loucura, transporta-o a regiões supremas onde é mestre do seu próprio destino" ----»Marguerite Duras

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Pensamento

Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'

A glória mais genuína, a póstera, nunca é ouvida por quem é seu objecto e, no entanto, ele é tido por feliz. Assim, a sua felicidade consistiu propriamente nas grandes qualidades que lhe conferiram a sua glória e no facto de que encontrou oportunidade para desenvolvê-las; logo, foi-lhe permitido agir como era adequado, ou praticar aquilo que praticava com prazer e amor. Pois só as obras assim nascidas alcançam glória póstera. A sua felicidade consistiu, pois, no grande coração, ou também na riqueza de um espírito cuja estampa, nas suas obras, recebe a admiração dos séculos vindouros. Tal felicidade consistiu nos seus próprios pensamentos, cuja meditação será a ocupação e o gozo dos espíritos mais nobres de um imenso futuro. O valor da glória póstera reside, portanto, em merecê-la, e isso é a sua recompensa verdadeira. Se chegou a haver obras que adquiriram glória na posteridade e que também a obtiveram entre os seus contemprâneos, tratam-se de circunstâncias fortuitas, sem grande importância. Pois, como os homens, via de regra, são privados de juízo próprio e, sobretudo, não têm capacidade alguma para apreciar as realizações elevadas e difíceis, acabam sempre por seguir nesse domínio a autoridade alheia, e a glória de género superior, em 99 de cada 100 admiradores, baseia-se meramente na confiança e na fé. Assim, a aprovação das muitas vozes dos contemporâneos só pode ter pouco valor para as cabeças pensantes, pois a única coisa que elas ouvem é sempre o eco de algumas vozes que, além disso, são elas próprias um mero efeito do momento. Sentir-se-ia um virtuoso lisonjeado pelos sonoros aplausos do seu público, se ficasse a saber que, com excepção de um ou outro espectador, a plateia se compõe inteiramente de surdos que, para dissimular mutuamente a sua limitação, aplaudem calorosamente, assim que vêem mover-se as mãos do único que ouve? E o que não seria se descobrisse que tal aplaudidor amiúde se deixa subornar para proporcionar a mais sonora aprovação ao mais mísero violinista?! Isso explica porque a glória dos contemporâneos tão raramente se metamorfoseia em glória póstera.
Nesse sentido d'Alembert, na sua descrição sumamente bela do templo da glória literária, diz: «O interior do templo é habitado só por mortos, que durante as suas vidas não estavam lá, e por alguns viventes que, quase todos, ao morrerem, serão expulsos". De passagem, observe-se que erguer um monumento a alguém em vida é declarar que, em relação a ele, não se pode confiar na posteridade. Se, entretanto, alguém experimentar em vida a glória que deve tornar-se póstera, então isso raramente acontecerá antes da velhice. Talvez haja algumas excepções entre artistas e poetas, menos ainda haverá entre filósofos. É o que confirmam os retratos dos homens célebres pelas suas obras, pois, na maioria das vezes, tais retratos foram pintados somente depois do estabelecimento da celebridade. Em geral, tais homens são apresentados velhos e grisalhos, sobretudo os filósofos. Do ponto de vista eudomonológico, todavia, a questão é totalmente justificada. Ter glória e juventude de uma só vez é demais para um mortal. A nossa vida é tão pobre, que os seus bens têm de ser repartidos com mais parcimónia. A juventude tem abundância na sua riqueza própria e, com isso, pode bastar-se a si mesma. Mas é na velhice, quando todas as fruições e alegrias esmorecem, como as árvores no Inverno, que a árvore da glória verdeja do modo mais oportuno, como uma autêntica vegetação de Inverno. Pode-se também comparar a glória às pêras invernais, que crescem no Verão, mas são saboreadas no Inverno. Na velhice, não há consolo mais belo do que termos incorporado toda a força da própria juventude em obras que não envelhecerão com ela.

domingo, 6 de abril de 2008

Pensamento


Luc de Clapiers Vauvenargues, in 'Ensaios de Moral e de Filosofia'



Um erro sem dúvida bem grosseiro consiste em acreditar que a ociosidade possa tornar os homens mais felizes: a saúde, o vigor da mente, a paz do coração são os frutos tocantes do trabalho. Só uma vida laboriosa pode amortecer as paixões, cujo jugo é tão rigoroso; é ela que mantém nas cabanas o sono, fugitivo dos grandes palácios. A pobreza, contra a qual somos prevenidos, não é tal como pensamos: ela torna os homens mais temperantes, mais laboriosos, mais modestos; ela os mantém na inocência, sem a qual não há repouso nem felicidade real na terra. O que é que invejamos na condição dos ricos? Eles próprios endividados na abundância pelo luxo e pelo fasto imoderados; extenuados na flor da idade por sua licenciosidade criminosa; consumidos pela ambição e pelo ciúme na medida em que estão mais elevados; vítimas orgulhosas da vaidade e da intemperança; ainda uma vez, povo cego, que lhe podemos invejar?
Consideremos de longe a corte dos príncipes, onde a vaidade humana exibe aquilo que tem de mais especioso: aí encontraremos, mais do que em qualquer outro lugar, a baixeza e a servidão sob a aparência da grandeza e da glória, a indigência sob o nome da fortuna, o opróbrio sob o brilho da posição; aí veremos a natureza sufocada pela ambição, as mães separadas dos seus filhos pelo amor desenfreado do mundo, os filhos esperando com impaciência a morte dos pais, os irmãos opostos aos irmãos, o amigo ao amigo: aí o interesse sórdido e a dissipação em vez dos prazeres; o despeito, o ódio, a vergonha, a vingança e o desespero sob a máscara falsa da felicidade. Onde reina tão imperativamente o vício, nunca é demais repeti-lo, não creiamos que a tranquilidade de espírito e o prazer possam habitar.

sábado, 5 de abril de 2008

Underground poetry

Perdido me encontrei no vazio de ti...sozinho me recriei...quem foste de verdade?...
Resignei-me agora à vastidão de "nadas" em que me afogo por mim...
E a verdade maior é aquela que, de tanto já me ter morto...me fortalece...
Demorei a exteriorizar este céu...pois o dentro foi, por muito tempo, maior que o fora...
Agora...nada se transforma...muito se perdeu...
Gritei tudo para o abismo de mim...
Nem mesmo eu me respondi...
Já não me ouço...já não me quero ouvir...cansei de escutar...